terça-feira, 3 de novembro de 2009

Taliscas vs Zumbis

Apesar deste post citar pela enésima vez o sentimento de estresse e revolta por ter de gastar horas e horas de tempo livre em trabalho burocrático da escola, quero registrar um fenômeno interessante e nada agradável. Caso algum leitor se identifique com o fato, por favor, não deixe de comentar, assim saberei que não tenho de enfiar um Diazepam goela abaixo.
Hoje terminei de lançar as notas de todos os alunos, de ambas as escolas. Elaborei e imprimi as taliscas – aquelas tirinhas compridas que contém número, nota e faltas de cada aluno, de todas as turmas. Também atualizei meu diário eletrônico, onde mantenho o controle de frequência de todas as minhas criaturinhas. Sentindo que ainda havia alguma coisa para fazer, revisei os conteúdos das aulas desta semana e planejei as que ainda não estavam prontas. Então olhei para o micro e percebi que não havia mais trabalho a ser feito.
“- Ótimo”, pensei. Poderia enfim voltar ao meu Resident Evil 5 e estraçalhar os malditos zumbis. Mas não voltei. Por quê? Fiquei estático diante do micro, os músculos tensos, um cansaço na alma. Estranhamente, mesmo tendo a absoluta certeza de que todo o trabalho estava feito, meu subconsciente ainda procurava por alguma coisa para acertar, atualizar, registrar, conferir, copiar, digitar, contabilizar. Não havia mais o que fazer, mas era como se meu corpo (ou a mente?) estivesse viciado no trabalho sistemático e repetitivo da escola, como se não aceitasse que tudo estava feito, refeito e conferido.
Fiquei assustado. Comentei o fato com a Dani e ela falou que eu estava ficando piroca. Sábias palavras! Que isso? O trabalho acabou, por que diabos continuo pensando nele? Tenho uma teoria. Elaboração de diários, controle de frequência, lançamento de notas, tudo isso faz parte da pequeníssima parcela que compõe a única parte desagradável do trabalho do docente. O professor é criação, não repetição. É movimento, não estagnação. É euforia, não depressão. Essa porção de nosso trabalho é contraditória, é conflitante com tudo aquilo que nós somos, não faz parte de nossa natureza. Exatamente por isso, quando essa pequena parcela de trabalho inútil e sistemático abocanha uma grande quantidade de nossa energia, o caos toma conta do nosso espírito e tudo parece confuso.
Neste momento, enquanto escrevo estas linhas, ainda estou tomado por essa confusão. Está melhorando, é verdade, mas ainda estou atônito. Os diários, as notas e as taliscas é veneno que demora a sair da corrente sanguínea, que insiste em resistir aos antídotos – uísque, chope, cinema e Resident Evil.
No próximo ano o governo prometeu acabar com esse inferno com a pauta eletrônica, que consistirá no controle de frequência e notas dos alunos diretamente em micros dentro das salas de aula. Mesmo sabendo que isso acabará por controlar também a frequência dos professores, não posso negar que sinto certo alívio em saber que, possivelmente, não terei de me preocupar mais com essa mazela que descaracteriza tanto o trabalho do professor. Ainda restarão as pilhas de provas para correção, mas qualquer trabalho a menos já ajuda. Sei que já estou meio grande para acreditar em Papai Noel e Coelhinho da Páscoa, o que corresponde a acreditar que o Estado fará algo prático para facilitar as nossas vidas, mas vou vestir o manto da ingenuidade e conservar um tiquinho de esperança.
Encerro por aqui, já está tarde e logo mais recomeça a batalha. A outra guerra, dentro da minha cabeça, continua. De um lado, calhamaços de anotações armados com taliscas afiadas e vomitando notas e faltas; do outro, Chris Redfield, armado com sua Magnum, procura espaço para massacrar seus zumbis. Em breve, notícias do front.

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