terça-feira, 16 de junho de 2009

Provas e mais provas...

Esse final de semana prolongado (11 a 14) foi tão letárgico que deu dó. Depois de duas semanas se recuperando do passamento do Saci, esses quatro dias foram mesmo dedicados ao descanso. Bem, seriam dedicados ao descanso se no sábado não tivéssemos nos lembrado de elaborar nossas provas para entregar na segunda...

Cheguei a pensar num post sobre o dia dos namorados, mas o ânimo foi ralo abaixo quando nos lembramos das benditas provas, portanto esse post vai ficar para semana que vem.

Que fique registrado para aqueles que acham que professor trabalha pouco (pasmem, há quem ache) que o trabalho burocrático realizado em nossas casas muitas vezes é mais longo e penoso que o dia-a-dia em sala de aula. Elaborar provas não é brincadeira: um vacilo nesse quesito e pode-se cometer uma injustiça sem remédio. São horas de pesquisa nos conteúdos dados, consulta a livros, à Internet, além de mais tempo digitando e formatando para que a prova fique com um bom aspecto.

Poderíamos até pensar, “tudo bem, a gente descansa no próximo fim de semana”. Poderíamos. Sábado que vem haverá o tal “sábado letivo”, invenção do nosso querido Governo do Estado para nos fazer trabalhar um pouco mais.

OBS: Nossa, esse negócio de blog é espantoso! Mesmo que ninguém queira ouvir minhas queixas (compreensível: queixa de professor é sempre recorrente e tediosa), grito-as num post, e o grito fica lá, esperando um clique para libertar-se na cara de um internauta incauto. Sei que é uma indelicadeza, e para compensar um possível aluno leitor eis duas tirinhas que incluí, nesse último fim de semana, nas minhas provas do segundo bimestre:

Estude-as e você provavelmente garantirá dois pontos. É o mínimo que posso fazer por quem ainda agüenta ouvir protesto de professor.

domingo, 7 de junho de 2009

Domingo de um coveiro amador

O fato sobre o qual escrevo a seguir ocorreu há duas semanas, no dia 24/05. Esperei esse tempo porque quando se escreve com o coração pesado a escolha das palavras torna-se mais difícil: ora é demasiado melancólica, ora é simplesmente imprecisa. O texto será, inevitavelmente, triste. Lúgubre até. É árduo escrever sobre a morte, não há nada de piegas nisso. Já que estou disposto a escrever prometo que me esmerarei para que o leitor não seja apenas o espectador de um sepultamento, mas que pegue na enxada junto comigo e segure minhas mãos sujas de terra.

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Quando acordei às 7 horas de domingo após ter dormido pouquíssimo já sabia o que tinha de fazer: iria abrir uma cova e enterrar meu cachorro que morrera há menos de 12 horas numa clínica veterinária próxima à casa da também falecida D. Nazaré, avó de Danielle, no Barata. O veterinário comprometeu-se a trazer o bicho lá pela hora do almoço, o que me dava tempo suficiente para adiantar a primeira parte da tarefa.

Tomei o café da manhã costumeiro, banana, cereais e leite, peguei a enxada que deixara pronta de véspera, montei na bicicleta e fui para o nosso terreno na rua Manaus. Danielle dormia e não me ouviu sair.
Decidi cavar nos fundos do terreno, onde sabia que o mato crescia menos e tinha uma vegetação rasteira que era até simpática. Optei pelo lado esquerdo, oposto ao muro da casa vizinha. A única experiência válida que eu tinha sobre como se abrir uma cova foi assistir a dois enterros, dos meus avós, há alguns anos atrás. Lembro-me que o coveiro devia ter uns 50 anos e abriu com certa facilidade um buraco grande o suficiente para descer o esquife. Confortado com essa lembrança lancei o primeiro golpe na terra, esperançoso de que a tarefa afinal não fosse tão penosa, apenas para ter o cabo da enxada quebrado logo nessa primeira investida. Olhei em volta furioso, a ferramenta inútil jogada no chão, buscando uma solução rápida para o problema: alguém tinha de me emprestar uma enxada e logo.
A salvação foi o Braga, o sujeito que construiu minha casa e é incapaz de negar um favor a quem quer que seja. Emprestou-me de bom grado a enxada, dando-me os pêsames pelo passamento do Saci enquanto martelava a peça de metal contra o cabo de madeira, deixando as peças bem firmes.
De volta ao terreno finalmente a cova começou a tomar forma, mas o trabalho foi muitíssimo pior do que eu esperava: cavar um buraco era uma tarefa muito, muito difícil. Mesmo com um porte físico médio – não sou nenhum fracote – descobri que descolar nacos de terra do solo duro era um serviço lento e cansativo, o que acabou concretizando o pior dos meus temores: eu comecei a pensar enquanto cavava.
Impossível não se lembrar dos momentos que passamos com o bichinho desde que o pegamos na rua com a pata machucada, em 2001. Foi indubitavelmente o melhor cachorro que já tive: sempre alegre, carinhoso, sorridente, não havia quem não gostasse dele. A covinha tinha de ser do tamanho certo, não iria colocar o bicho todo dobrado ali dentro. O suor escorria pesado e em grande quantidade pela testa e pelo nariz, colava a camisa nas costas e no peito, mas não importava, ele merecia, ia ter o seu jazigo do tamanho adequado. Doeu-me muito sobrepor a imagem do animal vivo sobre o buraco, para medir o tamanho e a profundidade, senti o peito apertado.
Ele adorava subir nas coisas, tinha horror a ficar no chão, meus amigos o apelidavam de “cat dog” ou “bird dog”, pois só vivia empoleirado em cima das cadeiras e até mesmo da máquina de lavar. Sempre perto, onde quer que estivéssemos, andava atrás de nós pela casa toda. E ainda agora ficaria por perto. O veterinário tinha um amigo que supostamente iria cremá-lo na Rural, mas quem garante que o sujeito não o jogaria na primeira lixeira que encontrasse? Não, ele ficaria aqui no nosso terreno, o mais próximo que consegui da nossa casa, numa sepultura digna da amizade que dividiu conosco por quase 10 anos.
A enxada batia nas pedras, tive de me agachar algumas vezes para arrancar pedregulhos que impediam o progresso do trabalho. Quase pronto, um pouco mais fundo, pensei. A idéia de que a cova ficasse rasa demais me apavorava, lembro-me de que isso me passou pela cabeça enquanto minha avó era enterrada, achei que o buraco estava raso, mas era impossível falar qualquer coisa a respeito. “- Sr. coveiro, o senhor pode fazer a gentileza de cavar mais fundo para que eu tenha a certeza de que os urubus não vão banquetear a minha avozinha?”. Se a velha estivesse viva cairia na gargalhada.
Pronto. Dei uma última olhada e fiquei satisfeito com o resultado, não fosse o tempo que levara para cavar, diria que fora um trabalho perfeito. Lavei o rosto e os braços na biquinha próxima ao portão, devolvendo ao solo o tanto de terra que ficara colado na minha pele. Deixei a enxada recostada no muro próximo à cova, saí e tranquei o portão.
Era domingo, um peixe cairia bem para o almoço, ainda havia tempo de conseguir um exemplar fresco. Fui com a bicicleta até a barraca próxima ao Guanabara e comprei uma corvina de tamanho médio. Voltei para casa e temperei o peixe, aguardando o telefonema do veterinário que não tardou a vir. Quando pus a corvina na geladeira não pude deixar de dissociar desse o ato de se colocar um cadáver num freezer de necrotério. A cabeça estava cheia de idéias tristes e mórbidas.
Marquei com o veterinário próximo ao quartel da ESIE e de lá fomos para o terreno na rua Manaus. Ele me entregou o corpinho dentro de um saco verde, desses usados para se colocar lixo. O rabinho dele apareceu e foi como uma apunhalada no coração. Engoli seco e agradeci o veterinário pelo empenho em tentar salvar meu amigo. Ele retribuiu com um aperto de mão e disse que estávamos quites, eu não lhe devia nada. Estavam de óculos escuros, o veterinário e sua companheira, que não fez questão de sair do carro nem de me dar bom dia. Partiram em direção à Avenida Brasil, para curtir em algum lugar aquele bonito domingo de sol.
Fiquei muito satisfeito ao ver que a cova correspondia ao tamanho do animal. O saco verde-oliva drapejava e eu pus a mão espalmada na lateral do bicho para ter a certeza de que não havia sinal de respiração. Só então me despedi e puxei a terra por cima, trabalho que concluí em menos de 5 minutos. Compactei o solo com a enxada e fiquei alguns instantes observando. Pensei em fazer uma cruz para marcar o local, mas lembrei-me de que o cachorro não era cristão, pelo menos se era nunca tinha me contado, e resolvi circundar com pedras a pequena sepultura, obtendo um razoável resultado estético. Lavei o rosto deixando propositalmente que um pouco de água umedecesse minha boca, peguei a enxada do Braga e dei uma última olhada para trás. Nosso terreno era, agora, um cemitério. Saí, tranquei o portão dando duas voltas na chave e voltei para casa.
Eu e Danielle nos abraçamos muito e choramos. Cuidamos do bicho até o final, proporcionamos-lhe a melhor vida e o melhor enterro que pudemos. Estava na hora do almoço, era hora de assar aquele peixe. Peguei uma assadeira e já ia transferir para ali a corvina quando vi que ainda havia terra sob minhas unhas. Antes de lavar mais uma vez as mãos, olhei para a terra e para o peixe. Então olhei para o lado, para a cadeira de plástico sob a qual o bichinho gostava de dormir e senti mais uma vez o peito apertar. Isso vai demorar a passar, esse aperto. Os olhos mortos do peixe, sem brilho, não refletiam nada. A terra debaixo das unhas correu para o esgoto com a água fria da torneira. Na terra, no peixe e no peito somente a morte e o desalento.

terça-feira, 2 de junho de 2009

O Lutador: um filme para ser lembrado, sempre.

Sou fã de cinema desde moleque, quando frequentava os poeirinhas aqui de Realengo e de Bangu. Lembro que enquanto a turma estava no campo jogando bola, eu estava todo engomado indo ver qualquer coisa que estivesse passando no Cine Realengo, hoje uma igreja evangélica cujo nome não me recordo. Coincidência ou não, até onde sei, daqueles garotos eu fui o único efetivamente bem sucedido. Entendam por bem sucedido trabalhar com aquilo que amo, ter uma esposa maravilhosa e uma casa enorme onde posso continuar vendo meus filmes com o som num volume altíssimo. Sim, o cinema opera milagres.
Desenvolvi um critério bem particular para eleger meus filmes preferidos: um bom filme é aquele que sem querer você acaba sintonizando enquanto passa os canais e não resiste a vê-lo até o final. Um ótimo filme é aquele que quando você sintoniza sem querer você continua passando os canais, porque julga um absurdo ver um ótimo filme já começado. Um filme excelente é aquele que você compra e faz questão de chamar os amigos para ver e discutir. Há ainda uma última categoria: os filmes inesquecíveis. Esses são aqueles que eu vejo um sem número de vezes, vejo pela metade, vejo inteiros, dublados, legendados, com ou sem os amigos. Desses não enjôo nunca, nunca. São obras-primas seletas, que de alguma maneira me tocaram e frequentemente me vêm à lembrança.

“O Lutador” (título original: “The Wrestler”, Estados Unidos, 2008) integrou recentemente essa minha lista especial. Talvez seja o único filme, pelo menos o único que conheço, que trata da realização pessoal de uma perspectiva diferente: o que você faria se dedicasse sua vida toda a um sonho, alcançasse plenamente esse sonho e de súbito tudo fosse arrancado de você, irreversivelmente? Você aceitaria uma vida alternativa, sem brilho, caminhando sobre os cacos do sonho despedaçado, ou arriscaria tudo para resgatar a antiga glória, mesmo que isso acarrete em sua própria destruição?
Randy (Mickey Rourke, arrebatador) dá sua própria resposta com seu “Ram Jam”. Quando assisto a esse filme, e já o assisti inúmeras vezes, é inevitável que eu me faça esses mesmos questionamentos. A vida é uma estrada de mão única, deve ser terrível chegar tão longe e descobrir que há um bloqueio na estrada, que o obrigará a seguir por um desvio de asfalto esburacado e destino incerto. Ver “O Lutador” faz pensar nas decisões que tomamos, no quanto sacrificamos nossa saúde e nossa família por um objetivo qualquer. Daqui a alguns anos esses sacrifícios podem não ter valido a pena e então terá sido tarde demais para qualquer redenção. Por isso, exatamente por isso, é que eu jamais coloco meu trabalho na frente da minha saúde e da minha família, até porque no fim é só isso que nos restará: nossa saúde e nossa família.