domingo, 26 de setembro de 2010

A Raposa, o Lobo, o Ornitorrinco, e o roubo do botão de Alerta - Prelúdio

CRÔNICAS DO CPTURBO

A Raposa, o Lobo, o Ornitorrinco, e o roubo do botão de Alerta

Uma fábula em um prelúdio, quatro capítulos e um epílogo

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:::: PRELÚDIO

Era uma vez, numa terra muito, muito distante, um reino digital chamado Cepetelândia. Oculto numa dimensão intermediária entre o reino dos homens e o caos cósmico, sempre foi assunto de canções e lendas, inundando a mente daqueles obcecados por desvendar seus mistérios, enchendo de cobiça os que ambicionam conhecer e desfrutar do seu conteúdo warez. Jovens mortais, embaladas pelas fantásticas histórias contadas por suas mães, sonhavam conhecer os príncipes de Cepetelândia, despertando a ira dos seus pares humanos, impotentes diante do deslumbramento causado pela cidade perdida.

Diferente das paragens terrenas, Cepetelândia era composta não só por terra, água e vegetação, mas por torrentes de energia pura que brotavam do solo e enchiam os rios. Há cachoeiras de bytes luminosos que serpenteiam entre as penhas das altas montanhas, a luz decomposta reflete nas brancas nuvens as cores metálicas da informação. Tateando entre a grama, é fácil encontrar entradas USB e firewire que fazem conexão direta com os servidores da cidade. Nas árvores que margeiam as avenidas pode-se colher os downloads no formato de pequenas frutas azuis cujas sementes podem ser jogadas na fértil terra para logo se transformarem em novos seeds. A informação e o conteúdo warez emanam por todos os lados no formato de pequenos raios que, vez por outra, atingem um notebook, enchendo-o rapidamente com filmes, jogos e e-books.

Muitos se perderam na busca pelo portal de Cepetelândia e jamais foram encontrados, vagando para sempre no labirinto digital que protege a entrada da cidade. Outros foram enganados pelos arautos da concorrência – demônios disfarçados que habitam cidades adjacentes, sedentos por atrair aqueles que não alcançaram Cepetelândia, para se juntar aos seus infelizes e invejosos habitantes. Esses incautos viajantes estão condenados a viver nesses vilarejos medíocres de conteúdo incompleto, para sempre vendo, à distância, as fabulosas luzes de Cepetelândia, inalcançável.

Escrituras antiquíssimas encontradas num arquivo TXT em um velho disquete de 5¼” revelam que apenas os habitantes nativos de Cepetelândia podem convidar forasteiros e guiá-los até o Portal, apresentando-lhes as maravilhas daquela terra mítica. Os Cepetelenses, contudo, são seres desconfiados, reservados, pouco se aventuram além dos limites de sua amada pátria. Eles sabem que é preciso ter muito cuidado com os humanos que, essencialmente, só querem beber da fonte do conteúdo warez que brota em abundância até mesmo das rochas. É um privilégio grandioso ser convidado para a cidade perdida, pois até mesmo um ordinário humano que rasteja pelas confusas vias da informação que perpassam o mundo mortal será recebido com calorosa pompa, tornando-se um membro da seleta comunidade cepetelense.

O reino é dividido em dez condados, que interagem harmoniosamente entre si. O conteúdo warez que flui em cada região é o que as diferencia e caracteriza, sendo compartilhado fraternalmente através de dutos de cobre e fibra ótica que cortam Cepetelândia em todas as direções, de cima a baixo. Cada um dos condados é protegido por criaturas mágicas chamadas supervisores e coordenadores. Além deles, há seis seres superiores, raramente vistos, que zelam por toda a cidade. São os moderadores, fúrias aladas que emanam luz verde-esmeralda e que podem fulminar, com um simples gesto, todo aquele que ameaçar a paz em Cepetelândia.

Ao sul da cidade está a Grande Floresta, o fabuloso condado da Seção 8. Lá o conteúdo jorra furiosamente em gêiseres espalhados pela floresta, subindo mais de trezentos metros e caindo sobre as árvores em chuvas cristalinas de pastas e arquivos, um espetáculo que deixa espantados até mesmo os habitantes dos condados próximos. A Seção 8 é tão admirável que basta quebrar um graveto para que saltem pop-ups de notícias e artigos, levanta-se uma pedra e lá estará uma revista para download. Mergulhe um tablet nos córregos luminosos e ele voltará com centenas de e-books e mangás. Toma entre as mãos a seiva que escore das árvores e beba um gole, terás aprendido PHP, ASP e Java nos cursos ocultos na mítica beberagem. Todos os dias, os cidadãos se reúnem nas clareiras da floresta para debater os mais diversos temas, como no parlamento grego, só que todos falam ao mesmo tempo.

São cinco os guardiões da sagrada Seção 8. A Raposa, capaz de ver na mais completa escuridão e até mesmo através das árvores e pedras, é quase um ser onisciente; o Lobo, de garras afiadas e sotaque mineiro, sempre pronto para deter qualquer ameaça; O Vampiro que treme, foi encontrado pelo Lobo ainda bebê e adotado pelo lupino, pode tetanizar seu corpo e destruir grandes objetos através da vibração; o Homem de Costas, ser misterioso e introspectivo, dotado de poderes reprodutivos arcanos, garante a perpetuação da espécie na floresta; e o Ornitorrinco, que vive tranquilamente no seu charco de lama no meio da mata, dono de um senso de humor duvidoso e detentor da caneta do supervisor, artefato mágico capaz de disciplinar até o mais resistente dos usuários.

Dotados de poderes especiais, eles conhecem cada centímetro da Grande Floresta, correm pela mata e saltam pelas copas das árvores, observando, cuidando para que o conteúdo flua e a informação se espalhe. Sua colaboradora, a ninfa de cachinhos dourados, voa pela escura vegetação em seu áureo mini biquíni, valendo-se do encanto que causa nos membros para detectar algum distúrbio que possa ameaçar a paz no condado.

O que vem a seguir, porém, colocará à prova toda a habilidade dos cruzados que defendem a Seção 8. Uma ameaça tão terrível que abalará o sensível equilíbrio que mantém a paz em Cepetelândia, capaz de levar à anarquia e completa destruição o utópico reino do compartilhamento digital.