quarta-feira, 30 de setembro de 2009

A moça dos cupons

Levei mais de um mês para começar a escrever esse post, isso porque tenho certa dificuldade de escrever sobre a morte. Depois de certo tempo, vê-se o fato de maneira mais clara e menos emotiva, o que facilita sua transcrição para o reino das palavras. No dia 21 do mês passado foi quando esse fato sucedeu.
Eu tinha acabado de sair do treino na academia, ainda estava meio agitado por causa da adrenalina que corria nas veias. O relógio marcava 9 da noite, mas eu senti que ainda tinha pique para ir ao Guanabara do calçadão de Bangu comprar os víveres que faltavam na geladeira. O tempo estava agradável, tendendo para o frio, mas não chegava a incomodar. Montei na bicicleta e tive de virar apenas duas esquinas para chegar ao supermercado.
Compras feitas, débito no cartão de crédito e um monte de sacolas com itens diversos, pão integral, queijo minas, embutidos de carnes leves como frango e peru, todas essas coisas que a maioria considera frescura. R$ 69,65. O Guanabara oferece cupons para concorrer a um carro, um cupom para cada R$ 20,00. Eu não tenho o hábito de pegar esses cupons porque tenho uma enorme preguiça de preenchê-los um por um, mas como estava excepcionalmente disposto resolvi buscas os 3 a que tinha direito. Fui até o guichê na frente da loja e, com um boa noite mecânico, entreguei a nota fiscal à mocinha atrás do balcão. Ela conferiu o valor e apertou 3 vezes o botão da maquininha, que a cada toque imprimia um cupom.
– O seu nome é Marcel, não é?
– Isso. – pela primeira vez fitei a moça pouco interessante nos olhos. – aluna do Mochón ou do Marechal Alcides?
– Não, eu sou a *****, irmã do *****, lembra?
Por um brevíssimo momento fiquei estático. Fazia mais de 15 anos, mas eu lembrava bem do nome, só não podia acreditar que estava diante da pessoa. Uma das meninas mais desejadas da época da minha adolescência, daquelas com quadril largo e partes superiores das coxas grandes e globulosas... enfim, com bunda grande e bem formada. O que eu tinha diante de mim? Uma figura disforme, gorda, vestindo aquele uniforme barato do Guanabara, os botões da camisa branca quase arrebentando com a pressão da gordura, as partes da blusa afastadas entre os botões revelavam que a peça estava um número menor. Apertei a mão maltratada e abri um sorriso franco, condescendente.
– Caramba! Quanto tempo! Como está seu irmão?
– Está bem, se separou, está morando comigo. Estamos no mesmo lugar, sabe? – ela olhou para minha aliança – ah, você se casou, né?
O ar de decepção era evidente. Em sua mão não vi aliança alguma, mas eu sabia que ela tivera um filho porque alguém me contara há tempos atrás. Por um segundo tive o ímpeto de me vangloriar do meu casamento, para me vingar da época em que ela não quis sair comigo, mas a figura triste em minha frente não despertava maldade alguma, tentei ser o mais agradável possível.
– Casei sim, já faz alguns anos. Mas você está bem! Que bom encontrar você por aqui. Eu tenho que ir, manda um abração para o safado do seu irmão!
– Mando sim, apareça por aqui! Beijos, tchau!
Afastei-me estarrecido. Aquela menina que tantas vezes me esnobou, que eu nunca beijara, agora estava confinada às próprias banhas, enfiada num balcão apertado de troca de cupons no Guanabara do calçadão de Bangu. O irmão, que tantas baladas passou comigo, que fazia parte do nosso grupo de dança (sim, eu já estive em um) voltara depois de velho para a casa da irmã, abatido pela sina do determinismo.
O leitor deve estar aflito procurando pelo defunto citado no primeiro parágrafo. Talvez isso decepcione quem estava esperando por um corpo propriamente dito, porque o cadáver a que me refiro é cem por cento metafórico, e nem por isso causa menos dor e tristeza. É a morte de minha geração, de minha juventude e dos meus sonhos imaturos de rapazola de 15 anos.
Como negar? Todos, em sua adolescência, acreditavam sinceramente, com candura inimitável, na eternidade das coisas belas. A beleza, o vigor, a inconseqüência romântica, o amor febril, a agilidade física, os sonhos... só é possível acreditar em sonhos tão esplêndidos, que eles sejam possíveis, quando se tem menos de 20.
Há tempos sei que minha mocidade passou, as cobranças da escola, o gás que acaba, a infiltração no teto, a conta de telefone, tudo está aí para me lembrar disso. Entretanto, sempre enxerguei meu passado como algo dinâmico, que de alguma forma estivesse vivo em um canto da lembrança. Por várias vezes me peguei pensando nas festas de rua que varavam a madrugada, na amizade fidelíssima dos companheiros de dança e de copo, no sexo no sexo no sexo (e no sexo). E, é claro, nas meninas de corpo recém-formado, lindas, inalcançáveis, objetivo absoluto e justo de cada respiração minha. Conquistei pouquíssimas, tive o azar de morar numa vizinhança em que todos os meus amigos eram mais velhos, robustos e carismáticos do que eu. Mas o que importa? Eram como ninfas que enfeitavam minhas visões do passado, afresco que emoldurava um imenso mural de doces lembranças.
Ali, naquele lugar estéril e insosso estava a ninfa, hoje uma espécie de medusa cujos cachos de serpente eram atados por uma presilha plástica barata. Aquela mulher, que quando moça era a própria irradiação do desejo e da vitalidade juvenil, agora encarnava a derrota, a estagnação, a ruína. Fez-me lembrar de que quase todos os meus amigos envelheceram e não deram em nada, de que as músicas, os filmes, a cultura dos anos 80 e 90, tudo estava enterrado e não deixava saudade alguma. Fez-me lembrar de que hoje as ninfas são mães solteiras, o corpo deformado pelas gravidezes, com empregos que só exigem o segundo grau completo, quando muito. Aquela mulher comum em seu emprego miserável, vestida naquele uniforme roto, era uma sombra negra e triste que caia sobre a sepultura de minha mocidade.

sábado, 26 de setembro de 2009

Pausa

São 3:55h da manhã e estou escrevendo um post. Mas não esse post, um outro, que está me dando um trabalho danado. Então talvez você se pergunte, por que diabos parou de escrever um post para escrever outro? A resposta é que estou cansado demais para pensar no outro assunto.
Eu tenho mantido a regularidade de postagens aqui no Três por Cento em cerca de 4 a 5 por mês. Isso é menos do que eu tinha planejado inicialmente, mas eu acabei percebendo, com a prática, que os bons posts demoram muito para serem escritos, porque precisam de inspiração e imprescindível entusiasmo. Há muito tempo estou conformado com o fato de que tenho poucos leitores, isso não me aborrece, sinceramente, porque eu sou meu principal leitor (acreditem, eu me leio o temo todo), mas não quero que meu blog se torne uma massa de bobagens mal escritas apenas para dizer que eu posto muitas vezes por semana, por isso eu não me perdoaria. Ser taxado de medíocre, quando sei que não o sou, é um risco que não vou correr.
Isso tudo para dizer que o meu próximo post será bem bacana, porque trata da época mais difícil e maravilhosa da vida de qualquer pessoa. Estava escrevendo com carinho, fiquei cansado, por isso parei.
Sou professor, meu papel é ensinar, então aqui vai uma lição que aprendi escrevendo no Três por Cento: não faça nada do que ama quando não tiver o ânimo. O resultado não terá vida, você será julgado pela obra mediana que apresentou. Concluir uma tarefa sem entusiasmo, apenas por fazer, para constar em quantidade, é aceitar ser banal, ordinário. Eu digo que saber a hora de parar é um gesto de coragem.

terça-feira, 22 de setembro de 2009

GLP de volta, zumbis africanos na área e bola pra frente!

Fiquei meio desanimado de escrever no blog nesses últimos dias, porque já tinha escrito demais sobre os problemas da escola e dos professores, e sei o quanto isso soa repetitivo para quem não é do meio. A questão é que foram tantas coisas desagradáveis, uma atrás da outra, que ficou difícil pensar em outros temas. Entretanto, como hoje é segunda-feira – dia oficial para iniciar dietas, parar de fumar e começar a praticar exercícios físicos – vou abrir a semana com um ar mais otimista, antes que esse se torne o blog oficial do professor deprimido.
A boa notícia é que o Estado finalmente liberou a verba para a reimplantação da minha GLP, cancelada há quase dois meses por conta da gripe suína, o que significa que a partir de amanhã estou de volta as minhas aventuras na turma 2005. Tenho ainda esta semana e a outra para fazer um resumo do resumo da matéria para que as criaturas tenham conteúdo para as provas.
A semana que passou foi de retomada das atividades depois do período de greve, com muita ralação principalmente no Marechal Alcides. A maioria dos alunos apoiou o movimento de greve, apenas alguns gatos pingados que não têm consciência da própria existência, imersos num profundo e letárgico estado de alienação, teceram alguns comentários desagradáveis que não vou reproduzir aqui. Mas agora a greve são águas passadas, procurarei não comentar mais esse assunto que, cá entre nós, já deu.
Nesse ínterim, baixei e instalei o Resident Evil 5, continuação da franquia de sucesso da CAPCOM. O game não é essa Brastemp toda, de todos os jogos da série este é o que mete menos medo – a maior parte do jogo se passa em ambientes bem iluminados e na luz do dia, bem diferente das mansões soturnas de RE1, RE2 e RE Code Veronica. De qualquer forma, explodir os miolos dos zumbis é algo que sempre traz paz de espírito e uma satisfação imensa. Levantou-se uma polêmica interessante sobre esse jogo: como a história é ambientada na África, quase todos os zumbis são negros, o que significa passar horas a fio atirando em afrodescendentes, homens e mulheres. Curioso como as 4 edições anteriores, em que todos os zumbis eram brancos, não levantaram nenhum comentário sobre o extermínio da nação caucasiana.
Enfim, esta semana está começando com um novo ar. Não sou do tipo de pessoa que reclama a vida inteira, pelo contrário, quem me conhece pessoalmente sabe que pouco me queixo. Concentrarei minha energia em preparar conteúdos que reponham o tempo perdido dos alunos e, não menos importante, em apurar a mira para esfacelar os pobres zumbis, seja lá qual for sua raça.


Bu the way, não abandonei o Oblivion, O caso é que se eu for esperar terminá-lo para começar outro jogo, vou ter de aguardar até 2010, porque Oblivion é longo pra raio (ouvi na internet relatos de que o tempo médio de jogo é de 200h). Os capetas dos Hell Gates que me aguardem, agora é a vez dos zumbis bronzeados! :P

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Resumo da ópera

Os amigos e leitores do Três por Cento vêm acompanhando junto comigo a luta dos professores do Estado contra as propostas indecentes do governador para nosso reajuste salarial e plano de carreira. Pois bem, o martelo foi batido, não há muito mais a fazer, eis então o resumo da ópera – neste caso, está mais para tragédia de Shakespeare.
Depois do absurdo ataque da Polícia Militar aos professores, acreditei que a repercussão do caso ajudaria a mobilizar a população a favor da nossa causa, posto que o ato foi repudiado por todos. Ao que parece, o governador achou a mesma coisa, porque sancionou rapidamente o PL 2474 na sexta-feira passada, véspera de final de semana, para gerar o mínimo de polêmica e discussão. Outra covardia, nova apunhala pelas costas.
Com a lei sancionada, há pouco o que fazer. Somente uma mobilização maciça dos professores fluminenses poderia pressionar o governo, mas isso não acontecerá por três motivos:
1. Grande parte dos professores concursados ainda está em estágio probatório, o que dá aos profissionais a falsa idéia de que não podem entrar em estado de greve. Servidor em estágio probatório pode fazer greve sem nenhum risco de exoneração, porque tem os mesmos direitos do servidor efetivado. Como sempre, a falta de informação é uma das maiores armas do governo contra a classe.
2. Muitos professores fazem GLP, o que os impede de fazer greve. Para quem não sabe, o governo maldosamente cancela as horas extras dos professores grevistas, o que é absurdo, já que uma coisa nada tem a ver com a outra. Como o professor precisa do dinheiro da GLP para sobreviver, já que é impossível manter-se com nosso ridículo salário, o governo tem mais uma arma para impedir o servidor de exercer o direito constitucional da greve.
3. Os diretores de escolas, que há anos não são eleitos por processo democrático, mas por indicação política, em sua maioria não apóiam ou mesmo coagem os grevistas, ameaçando-os com o temido código 61. Esse código, que nada mais é do que o reconhecimento de que o professor fez greve em tal dia, não traz nenhum prejuízo além das implicações naturais do estado de greve: desconto do dia parado ou reposição daquele dia de aula.
Esta é a tabela final da incorporação do Nova Escola, até 2015 (alguém ainda consegue falar em incorporação até 2015 sem dar uma risada?):

CLIQUE NA IMAGEM PARA AMPLIAR

Neste momento não tenho esperança de que haverá qualquer avanço nas negociações com o governo. Eles nos têm no cabresto das GLPs, e isso não mudará em curto prazo. Resta, então, duas saídas: mandar o Sérgio Cabral e toda a Alerj tomarem naquele fétido lugar onde o sol não bate e começar do zero, fazer uma nova faculdade e abandonar de vez o magistério, essa carreira tão bonita e tão desprezada nos dias de hoje. Ou... insistir. Acreditar que cada professor que se mantém no magistério a despeito de toda essa adversidade é, na verdade, um herói, alguém que sabe da sua importância, da sua indispensabilidade para um mundo melhor e mais justo.
Eu fico com a segunda opção, mão sei por quanto tempo, por quantas humilhações mais, mas fico, enquanto durar o amor. Porque só o amor explica a arte de ser professor e ainda ser capaz de lançar ao aluno um sorriso de esperança.

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Professor, mãos ao alto!

No post anterior avisei que só divulgaria o resultado da manifestação que os professores fariam hoje em frente à Alerj caso tivesse estômago. Digo que estou enjoado, enojado, mas mesmo assim escreverei a respeito.
Dizer que nossas reivindicações não foram atendidas é redundante, como já havia dito, o governo nunca vota a favor do servidor. Inesperada foi a reação das autoridades à presença dos profissionais da educação: a PM enviou uma tropa de choque para conter a manifestação pacífica. Atacaram os professores com balas de borracha, bombas de efeito moral e gás de pimenta.
Qualquer comentário que eu faça a respeito soará previsível e retórico. Deixarei aqui as imagens feitas pelo RJTV para que o leitor forme sua própria opinião. De minha parte, apenas duas palavras: esmorecer, jamais.


Para ler a matéria completa do G1 sobre o confronto entre PMs e professores em frente à Alerj, clique aqui.

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Chega! Em greve!

Resisti um pouco à idéia de iniciar o mês de setembro com um post mal-humorado e melancólico, já que foi assim que fechei o mês de agosto. Passei esses últimos dias tentando bolar uma crônica ou fazer a resenha de um filme. No entanto, tenho o compromisso pessoal de registrar neste blog, como prioridade, o sentimento exato de cada época em que um post é escrito. Sendo assim, segue mais um post mal-humorado e melancólico.
O motivo é o mesmo do post anterior: a sacanagem que está sendo feita com os professores da rede pública estadual do Rio de Janeiro. Acho que somente nesta semana minha ficha caiu e entendi que, de acordo com os planos do governo, Danielle e eu ficaremos sem receber aumento por três anos. Explico:
O salário-base de um professor estadual é uma merreca de R$607,26. A essa mixaria somam-se de R$96,00 a R$435,00 do abono Nova-Escola, pago aos professores mais antigos que ingressaram no Estado até 2005. O valor desse abono era definido de acordo com o desempenho da escola, gerando a esdrúxula situação de um professor ganhar mais (ou menos) do que o outro. A performance da escola era medida através de critérios obscuros que, à época, levantaram suspeitas de fraude e favorecimento de determinadas unidades escolares.
Pois bem, Danielle e eu recebemos o suntuoso valor de R$213,25. O que o Estado pretende fazer é incorporar o valor máximo do Nova-Escola (R$ 435,00) ao salário-base dos professores, acarretando em um aumento real. Seria muito bom se não fosse por um detalhe: essa incorporação será feita no decorrer de SEIS ANOS, em doses homeopáticas. Isso significa que quem já recebe o valor máximo vai ter de esperar pelo menos seis anos para ver o salário líquido aumentar de verdade. Em nosso caso, somente a partir de 2012 veremos um reajuste real, quando nosso salário vai ficar efetivamente maior, de R$ 820,21 (base de R$607,26 mais R$213,25 do Nova-Escola) para R$846,77. Em suma: teremos de esperar apenas três anos para ter um substancioso aumento de R$26,56.
Por essas e outras – não devemos nos esquecer da anulação das GLPs e dos alunos que ainda estão sem aula –, hoje estou em greve. Não é hábito meu aderir às paralisações, pois sempre penso na situação dos alunos; hoje, porém, é A MINHA SITUAÇÃO que está insustentável, de modo que a partir de agora irei aderir a todas as paralisações, como forma de deixar clara minha insatisfação com essa vergonha que está a Educação aqui no Rio.
Segundo o site do SEPE-RJ, hoje será votado na Alerj o Projeto de Lei 2474, que é essencialmente a confirmação dos absurdos supracitados. Se eu tiver estômago postarei ainda hoje o resultado da votação aqui no blog. Cruzemos os dedos para que esse disparate não seja aprovado, ainda que essa seja uma esperança tênue, visto que nada neste Estado é votado a favor dos servidores.



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