terça-feira, 4 de agosto de 2009

O vendedor de revistas

Na primeira quarta-feira das férias (22/07) eu estava num 392 indo ao centro da cidade para renovar meu estoque de mídias virgens e comprar uma bisnaga de pasta térmica para o processador do meu micro, que estava atingindo temperaturas absurdas e resetando a máquina periodicamente.
Tarde amena e agradável de inverno. Estava sentado no lado esquerdo, no canto da janela, nos ouvidos, os fones do celular no volume máximo, na vã tentativa de abafar o incômodo barulho do motor, que fazia trepidar as placas mal fixadas do assoalho metálico.
Na altura de Bonsucesso entrou no coletivo um senhor de uns sessenta anos, negro, vestindo uma camiseta azul manchada, bermuda, chinelos e um chapéu branco já bastante encardido. O homem de barba muito branca lembrava-me aqueles quadros antigos, de preto-velho, com cachimbo na mão e olhar penetrante.
De uma sacola ele tirou um cartapácio de revistas amassadas e começou a distribuí-las, uma por passageiro, em seguida anunciou a venda: “- 50 receitas de salgadinhos! Empadão, empadinha, risole, coxinha, kibe, croquete... na banca paga R$5,00, mas na minha mão vai levar por R$ 2,00!”.
Folheei as páginas e li apenas os títulos das receitas – única coisa que conseguia enxergar – estavam lá todas as iguarias inimigas da boa saúde cardíaca. Com os polegares de ambas as mãos marcando alguma página aleatória, fechei a revista e virei-a de lado para ver o preço: R$ 5,00. Resolvi não aproveitar a “promoção”, pensei que há séculos nem eu nem Dani comíamos salgadinhos de qualquer espécie, havíamos exorcizado essa desgraça de nossas vidas. Além do mais, estava na cara que aquelas revistas eram edições recolhidas que o sujeito arrumara de graça e queria ganhar dois reais em cima de cada uma.
Os demais passageiros pareciam compartilhar do meu pensamento, o velho não vendeu uma revista sequer. Sentou-se do lado direito do coletivo, umas duas cadeiras à frente de onde eu estava. Observei-o pela diagonal, em seu rosto uma expressão resignada, como de quem está acostumado a eventuais fracassos de venda. Nos fones começou a tocar Tears in Heaven do Eric Clapton.
Senti-me mal por não ter comprado a revista. O que são R$ 2,00 afinal de contas? Isso não pagaria nem a passagem do ônibus. O sujeito poderia estar usando como desculpa a idade e a miséria, mas não, estava vendendo revistas com receitas de salgadinhos. Ainda haveria tempo de reverter a situação? O MP3 player do celular tocava: - Would you hold my hand If I saw you in Heaven? Would you help me stand If I saw you in Heaven? Linda canção.
De súbito, interrompi a música, liguei a câmera do celular e tirei uma foto do homem. O fiz porque sabia que escreveria sobre isso aqui no blog, só não sabia ao certo sobre o quê: seria sobre minha covardia de não ter voltado atrás e comprado uma revista inútil para ajudar o homem ou sobre a grandeza de reconhecer a própria mesquinhez, ter tomado a iniciativa de pagar míseros dois reais e ter dado alguma esperança ao velho? A expressão em seu rosto não mudava, não havia dúvida de que toda uma vida petrificara suas feições, que não esmoreceria diante daquele breve fracasso, que subiria em mais cem ônibus e ofereceria novamente as revistas de receitas, sem implorar, sem se humilhar, sempre paciente e tranquilo diante da negativa dos passageiros. Senti-me pequeno diante do homem experiente e resoluto.
- Senhor, com licença, me vende uma revista? Estendi uma nota de dois.
- Pois não.
- Acabo de lembrar que minha tia adora salgadinhos. É boa a revista?
- É, tem receita de coxinha, risole, kibe... – ele folheou a revista e, muito solícito e animado, mostrou suas receitas prediletas. Ouvi com atenção, acenei com a cabeça demonstrando grande interesse.
O velho desceu no ponto seguinte, na altura da passarela 4, próximo à Linha Vermelha. Tornei os fones aos ouvidos e o player continuou a música: - I know there'll be no moreTtars in heaven. Com o peito aliviado, só então me senti digno de continuar ouvindo a canção, naquela bonita e agradável tarde de inverno.

2 comentários:

  1. realmente marcel vc tem razão as vezes o q não é nda para nós para alguém é necessário,parabéns por ter tido a oportunidade de voltar atrás e a ter aproveitado.

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  2. Otimo primo!!! agora faz pra sua visita!! nao vamos mas precisar de gastar 16,00 na Dona Jurunela ai! Se tu nao comprasse a revista do moço! pqp eu ia te xingar!!!kkkk bjs

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