domingo, 17 de maio de 2009

Domingo sangrento

Sábado é um excelente dia para instalar tomadas elétricas na cozinha. Isso porque ao contrário dos meados da semana pode-se tomar uma cervejinha e ouvir música alta durante o trabalho. Pois bem, estava eu instalando novas tomadas elétricas na cozinha quando o meu Media Player selecionou aleatoriamente dentre 33Gb de MP3 a faixa “Sunday Bloody Sunday” do U2. Levantei a cabeça para ouvir melhor a música, fios na mão esquerda e na direita a chave de fenda de testes. Que letra foda, foi o que pensei.




E é isso mesmo: uma letra foda, engajada, metafórica, inteligente. Achei graça de quando eu era adolescente no início da década de 90 e ouvia essa música sem fazer idéia do que se tratava, já que minhas habilidades na Língua Inglesa ainda eram medíocres. E ainda assim eu adorava a música, achava a melodia poderosa, dava vontade de gritar junto com o Bono: - Tooooniiiiiiiiight!!! We can be as one!
Anos depois, descobri que a música tratava do massacre ocorrido na Irlanda do Norte em 1972 numa manifestação contrária aos abusos e preconceitos que atingiam a população católica. Tropas britânicas entraram em confronto com a multidão, composta em grande parte por mulheres e crianças, matando pelo menos 14 pessoas e ferindo dezenas de outras. Aquele domingo ficou conhecido como o Domingo Sangrento, que dá título à música.
Conectei os fios vermelho e branco e apertei com a chave philips. Esse privilégio de cantar uma música com orgulho envelhece com a minha geração. O que os moços de hoje dirão, daqui a uns 10 anos, das músicas que ouvem? Pouco ou nada. A enxurrada de hip-hop que inunda as rádios não trata de outra coisa que não seja o traseiro de uma musa anônima que rebola numa boate qualquer, ou então supostas insurreições contra o sistema, ainda que nenhum dos cantores saiba explicar direito o que é o sistema contra o qual se insurgem.
Apertei os parafusos do espelho. Um tomada instalada, faltam sete. Enchi meu peito e cantei desafinado junto com os alto-falantes: “Tonight, we can be as one!”. Esta noite, podemos ser como um. Imaginei, num instante onírico, a multidão de manifestantes enfrentando as tropas britânicas e cantando o refrão: - Tonight, we can be as one!
Enchi-me de orgulho. Minha geração, meus amigos, minha esposa, todos cantávamos e dançávamos ao som de idéias, árias de liberdade. Em uma década duvido que os novos adultos se interessem em saber o que cantavam e dançavam, seja por desconhecer o idioma de Shakespeare, seja por pura vergonha.

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