quinta-feira, 16 de julho de 2009

A cachaça, o chocolate e o escritor.

Não vou reclamar mais uma vez da quantidade de trabalho burocrático acumulado, já que está muito claro, especialmente para quem me conhece, que o mês de julho é brutal para os professores. Uma vez que não é possível fugir desse trabalho doméstico, tornemo-lo mais agradável.
Hoje o dia já tinha sido estressante, com um problema nas cópias das minhas provas do Marechal Alcides, que ficaram prontas em cima da hora para aplicação – nesse meio tempo tive de aturar dezenas de alunos impacientes-e-loucos-pelo-meu-sangue que não paravam de perguntar: “- Fessô, vai tê prova?!”, “- Já tá pronto, fessô?”, “Deixa a prova prá ‘manhã!”. Oh my fucking God, foi necessária muita paciência.

Em casa, hora de organizar as notas do Mochón, já que o COC é amanhã. Corrigi algumas provas de recuperação (Céus, acabo de lembrar que NÃO passei as notas de recuperação para a tabela final... ah, foda-se, agora que comecei não vou parar de escrever, quando terminar aqui passo as notas a limpo) e organizei toda a tabela com as notas do 1º e 2º bimestres. Já ia passar para o serviço da outra escola quando percebi que me encontrava naquele estado crítico de estresse que te leva a cometer erros em tudo o que está fazendo.
Reclinei o corpo na cadeira e cruzei os braços, a coluna rígida como um pau, a cabeça levemente inclinada para baixo e os olhos levantados fixos no monitor, mas sem ver nada. Duas da manhã e eu fazendo trabalho da escola. Virei a cabeça pouca coisa para a direita, olhei de esguelha a garrafa de Nega Fulô, presente do mestre Zé Manuel no meu aniversário. Levantei-me sem nem desligar o monitor, peguei a garrafa, um copinho daqueles apropriados para cana e fui para o sofá.
Estava um frio cortante, até a cachorrinha Ricota estava espirrando. Tomei a primeira dose da cachaça com serenidade, uma cara séria, como se aquilo fizesse parte de um ritual para exorcizar o estresse, o que efetivamente era. Quem toma cachaça, especialmente quem aprecia cachaça, sabe a delícia que é sentir a bebida queimando os lábios, reagindo em cada papila gustativa, descendo num gole único, mas macio, terminando com um estalar da língua. Àquela dose seguiram-se outras duas, depois das quais eu sentira a leveza e o calor tão necessários nessa madrugada gelada.
Logo me lembrei de que eu tinha guardado de véspera meia barra de chocolate Garoto com castanhas de caju. O que mais eu poderia querer depois de três doses de Nega Fulô? Chocolate é perfeito para quem acabou de beber! Peguei a barra, voltei ao sofá e sintonizei a TV no Discovery Channel, único canal onde eu tinha certeza de que não estaria passando nenhuma desgraça. Saboreei o chocolate num deleite duradouro, a mente absolutamente desligada, somente os selvagens nervos do paladar ativados, sentindo na língua atiçada pela cachaça todos os sabores do leite e da castanha presentes na barra.
Se for professor, acredite, cachaça e chocolate fazem milagres na hora de lançar notas, deveriam ser distribuídos junto com nossos notebooks. Seguramente melhorariam o desempenho dos profissionais da educação, os alunos perceberiam nossa motivação e estudariam mais, isso diminuiria a taxa de violência e desemprego, contribuindo para um país melhor e mais justo.
Enquanto nada disso acontece, a Nega Fulô e a barra de chocolate com castanha de caju me tiraram da rotina estúpida e repetitiva de corrigir provas na madrugada e me deram a inspiração para escrever esse post, metamorfoseando o homem-máquina no escritor que redigiu essas linhas, levando-me a esta conclusão tão elementar e ao mesmo tempo tão inusitada: despertam o melhor nos professores de Português, a cachaça e o chocolate.

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